Abissal
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
No oculto, a fenda, abertura
Divisa até onde a luz alcança,
Na qual a sombra não avança,
Mas à espreita, atenta, perdura
Na profundeza dantesca obscura
A mesma luz que revela, ofusca
Enquanto a treva orienta a busca
Pelo vulto, contorno da criatura
O abismo que reivindica a rendição
Para imergir devagar na escuridão
Tal tragédia do naufrágio dos navios
E fazer morada entre os abissais
Até que os mistérios e os vazios
Não hão de se esconder nunca mais.
"Não há despertar de consciências sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão." - C.G.Jung
Entre nós
quarta-feira, 5 de julho de 2017
O entrelaço que não se dá
Pelo escorregar de nós
Cegos
Em não ver que um nós
Ainda nos prende.
P&B
segunda-feira, 6 de março de 2017
Na penumbra atravessa um traço de luz
Pois só há sombra se há o que for luzido
E onde transpassa este fulgor traduzido
Embrasam as formas nos tons mais crus
A revelar tudo o que a voz não traduz
Há de ficar o tempo em grafismos emudecido
Contornos frios sobre cada eco esquecido
Nos abismos, ao que toda memória se reduz
Linhas imutáveis ficam no papel inodoro
E incolor, e insonoro; um império a ruir
Desbotando-se em afetos monocromáticos
A presença do aroma que escapa do poro
Do pólen da flor, do timbre da voz, a fugir
Em fantasmas evanescentes e enigmáticos...
Apague ao Sair.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
O ardor alaranjado corta o carvão
E revela o incêndio não cicatrizado
No braseiro de entranhas que sobra
Do meu corpo outrora incendiado
Feito sopro quente de respiração
Corre o vento no calor conservado
E, deslizante, se dobra e desdobra
Entre o carvoeiro quase apagado
E tudo que é, das cinzas rebenta
E tudo que há, às cinzas retorna
Assegura o carbono imperativo
E quando findar o fogo abrasivo
Deixai a superfície fria e cinzenta
Nada há de nascer da brasa morna.
Liberto.
sábado, 3 de dezembro de 2016
"Estou aqui onde sempre quis estar
Devo tudo isso a ti, mas preciso voar..."
Scalene
(Haven de Vladimir Kush)
Meu doido coração, aonde vais
Afoito em busca dos quatro ventos?
És doído, vide as correntes austrais
E te prepara para futuros lamentos!
Vai, sem demora, para a liberdade
Mas te retornas de novo à quietude
Sem o embaraço de sentir saudade
E de amar, portanto, amiúde!
Veleja entre os mares mais bravios
Sem receio de encontrar a calmaria.
Aonde vais então, oh, vadio coração?
Tomam a guia do amor os desvarios...
E a riqueza mais rara és tua alforria
De amar sem medo d'outra desilusão!
Cais.
terça-feira, 11 de outubro de 2016
PARTE I
"Cada dia que passo sem tua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões
Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações"
Vander Lee
(foto por Gabriela Ciolini - clique na imagem para ampliá-la)
No porto, de peito aberto, aguardo
e guardo um abraço tão longo
quanto a minha espera...
Quando o horizonte põe-se bicolor
E em tons de azul e rosa a tarde finda
Aqui permaneço a tua espera ainda...
E somente o mar conforta a minha dor
Provo da minha paz e da minha agonia
Sinto a mansidão do vento e da maresia
E a aflição na dúvida do teu regresso
...De mais um dia - só - me despeço
Frente ao teu olhar tão vasto e sereno
Faz-se este deserto anil muito pequeno
Ínfimo perante tantos memoriais
Fica o meu longo aguardo neste cais!
E cai o negro manto, enfim, sobre o ocaso
Trazendo o breu até onde a vista alcança
Assim, ouço ainda a onda se romper no raso
No vai-e-vem das águas, benta em esperança
[As ondas vão, mas não deixam de voltar]
As gotas, então, se confundem no ar
Desertoras do mar ou de olhos marejados
- Quem nunca viu a partida de quem ama
Não sabe o drama de quem só pode esperar –
Sinto-me sem direção em um mar sem cais
Assim, sem paz, à deriva das horas que se vão
- Alguém que em tormento o pranto chora
E implora para um dia a espera acabar -
Aos poucos a angústia decai e se desfaz...
É a tua lembrança que me lança nesse mar!
- Alguém que em memórias se derrama
E clama para a felicidade reencontrar-
E ao céu no qual vejo o teu cabelo preto
Em profundo misticismo eu prometo:
Aportei em ti e daqui eu não saio mais
E o tempo vai passando nesse leva e traz...
PARTE II
Quando as horas põem-se a morrer
Vejo o sol deitar e o tempo seguindo adiante
Eis a minha solidão ainda mais permanente
À tua espera, paciente, de poente a poente
Vi, diante de mim, uns cem dias e mais mil
E se fez meu olhar cada vez mais descrente
A se perderem as vistas no vasto deserto anil
À tua espera, inocente, não segui em frente
Aguardei, então, a tua volta, sem previsão
...E de repente, não mais que de repente
Senti que o vento soprava n'outra direção...
[O vento não volta mais pra perto desse cais]
E o vento, outrora quente, desliza morno
Tal qual o choro que foi ficando no caminho
Sozinho, sequei meu pranto e calei meu canto
Pois não há sequer prenúncio do teu retorno
A brisa fraquejante já não traz nenhum presságio
Pois corre tanto pra morrer na areia, abatida
E entre a partida absoluta e a volta irresoluta,
Prefiro declarar deste sentimento o naufrágio!
De peito aberto, guardei um abraço tão extenso
Tal qual a minha espera, que não sei até quando
Mas, aproveitando que estou de braços abertos
Irei lançar-me num voo ao horizonte, tão imenso!
Ao luzir dos primeiros traços de um novo dia
Impávido, irei abandonar, enfim, este cais...
Respirar novos ares em outros mares - alivia!
Deixar-me levar por entre os pontos cardeais.
PARTE II
"É, pode ser que a maré não vire
Pode ser do vento vir contra o cais
E se já não sinto os teus sinais
Pode ser da vida acostumar
Será, Morena?
Será, Morena?
Sobre estar só
Eu sei"
Los Hermanos
Eu sei"
Los Hermanos
E finda mais um dia em tons de azul e rosa
Em meu rosto, resta só uma lágrima teimosa
É a minha saudade que insiste em escorrer
A cada instante se afasta a linha do horizonte
Ao passo que aqui permaneço, inerte e silenteA cada instante se afasta a linha do horizonte
Vejo o sol deitar e o tempo seguindo adiante
Eis a minha solidão ainda mais permanente
À tua espera, paciente, de poente a poente
Vi, diante de mim, uns cem dias e mais mil
E se fez meu olhar cada vez mais descrente
A se perderem as vistas no vasto deserto anil
À tua espera, inocente, não segui em frente
Aguardei, então, a tua volta, sem previsão
...E de repente, não mais que de repente
Senti que o vento soprava n'outra direção...
[O vento não volta mais pra perto desse cais]
E o vento, outrora quente, desliza morno
Tal qual o choro que foi ficando no caminho
Sozinho, sequei meu pranto e calei meu canto
Pois não há sequer prenúncio do teu retorno
A brisa fraquejante já não traz nenhum presságio
Pois corre tanto pra morrer na areia, abatida
E entre a partida absoluta e a volta irresoluta,
Prefiro declarar deste sentimento o naufrágio!
De peito aberto, guardei um abraço tão extenso
Tal qual a minha espera, que não sei até quando
Mas, aproveitando que estou de braços abertos
Irei lançar-me num voo ao horizonte, tão imenso!
Ao luzir dos primeiros traços de um novo dia
Impávido, irei abandonar, enfim, este cais...
Respirar novos ares em outros mares - alivia!
Deixar-me levar por entre os pontos cardeais.
Amar elo.
quarta-feira, 6 de julho de 2016
(Foto de Gabriela Ciolini. Clique na foto para ampliá-la)
Descanso o corpo no campo de flores douradas
Enquanto minh'alma se reflete no firmamento,
Que se funde, em luz, nas pétalas repousadas
E vai além, bem longe de todo meu tormento.
Vai além-mares de ressaca e olhos de cigana
Ao encontro dos olhos de sossego, (a)morosos
Onde eu não tenho pressa e a paz é soberana
Vagueando também nos olhos meus, vagarosos
E vêm esvoaçar os ventos, adventos de outrora
Em cada fio de cabelo, onde paira a inquietude
Levar para daqui bem longe, na graça e na virtude
Das flores que se voam, e se voam sem demora...
Em traços de pincel, o arco-íris é o céu presente
Do elo da essência ao campo amarelo reluzente
Posso olhar para o mundo sem qualquer dissabor
Posso olhar para o mundo sem qualquer dissabor
A paz vive comigo e, puramente, respiro amor.
[...]
Desbotado.
terça-feira, 10 de maio de 2016
O tempo trouxe a frente fria
E, no céu, pintaram-se tons gris
Vestiu-se para combinar com o dia
Blusa preta, gasta, acinzentada
O olhar mirou o céu que se passaria
De límpido à pálido infeliz
Mas sabendo que a pele se clareia
Enquanto desbota a cicatriz
ColoRiu.
Blues.
sábado, 30 de abril de 2016
A cor da tristeza
No céu vira acorde
Vibrando na corda
Que recorda o vento
Assobiando no ouvido
Na voz se transborda
O lamento vivido
E no vento vibrante
Voa o tom dissonante
Um acorde: tristeza
O uivo
De um lobo
Melancólico
Em um solo
Pentatônico.
Rubescência.
quarta-feira, 27 de abril de 2016
"O sol nasceu vermelho"
Do breu fez-se a cor amanhecida
Estampada no céu de sangue vivo
Que escorria por entre as nuvens
Colorindo como verbo defectivo
Que não se conjuga mais.
E eu não sei se o céu ficou assim
Pela minha saudade adormecida
Ou a saudade se declarou carmim
Escorrida pela vontade do céu
Que não quer mais chorar.
E se não sente, insiste na dormência
De não sentir a chuva nos olhos
E sangue nas veias, o que é imposto
É a memória quente, cor-de-canela,
Na rubescência do rosto.
Leaving rope burns
Reddish rouge
Dancei.
quinta-feira, 7 de abril de 2016
Hoje a saudade me procurou
Sem descanso, um dia inteiro
Até que a deixei me encontrar
Pra que eu fosse seu parceiro
Nessa dança da lembrança:
Um pra lá e o outro pra cá
E dor pra cá, e dor pra lá...
Mundo de garotas más.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
Quando se está à deriva, qualquer luz parece atrativa e todo porto se finge seguro para um coração pirata. Sob um mar de ressaca e névoa de nicotina, deslizo seduzido pela cintilância que desatina em olhos que são faróis conduzindo como se conduz um inseto para o fim. Uma luz, em mim algoz - olhar fugaz. Repetidos e perdidos. Da vontade de um canto de sereia que ardesse o sangue nas veias, restou a quietude, o marasmo, a calmaria. A falsa ilusão de que o navegar errante seja prudente. E todo homem do mar sabe que a sorte pode virar em qualquer vento, subitamente em direção a águas misteriosas e potencialmente perigosas, das quais não se sabe o que irá emergir - ou no que se irá imergir. E quando o batimento acelera e intensifica, questiona-se se é fruto do anúncio de uma certeza sentida ou do medo do erro que se apresenta. Toda a prudência é extinta no desespero da tempestade. E a força do (a)mar não per-doa. Sem saber se será engolido pela tempestade, o pirata abre uma garrafa de rum e serve belas doses para dizer aquilo que sóbrio não pode se dizer: adeus.
1/4 escuro.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
Quarta-feira em um pub desses meio pop-alternativo-underground e não sei como se iniciou esse pensamento. Estava eu, no meio de uma multidão, já entorpecidamente confortável pelo solo da música que antecedeu a que tocava no momento desse lampejo. Olhos fechados e, ainda assim, podia acompanhar o movimento das luzes vermelhas e azuis tridimensionais que atravessavam minhas pálpebras cerradas; a música que passeava no local e as vozes uníssonas a entoar um mantra hipnótico sobre a ausência que atravessavam meus ouvidos; e esses tais pensamentos que insistiam em atravessar minha consciência naquele momento. Como se fazia irônico o fato de uma música que fala de uma ausência - que também dava nome a um álbum inteiro sobre o mesmo assunto- ser cantada por todos ali presentes. Ao perceber isso, de olhos fechados, deixei que meus lábios se sincronizassem com as palavras da música, mas sem entoá-las, afinal, deixei que as não-palavras que saíssem da minha boca fossem as palavras de ausência da tal música que estava tocando. Estava eu, ali, sozinho como no meu quarto escuro, só que rodeado de solidões, no meio de uma multidão que cantava a perda. Deixei-me, então, lembrar de todos que já passaram e despedi-me, ou quis encontrar de novo, não nego. Além disso, se tratava de uma balada, uma música para ser cantada por todos, como em rodinhas de violão, talvez por se tratar de algo comum àqueles ali: algo faltante, que não comparece, como as palavras no meu canto silencioso, um ode à ausência, à saudade, à espera do reencontro. E corremos de braços abertos e olhos fechados para esse reencontro. Correndo sobre o mesmo velho chão o que nós achamos? Os mesmos velhos medos. Queria que você estivesse aqui.
Céu aberto.
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
"Any place you don't leave is a prison"
Viu-se e repetiu-se o suficiente
Para aceitar a condição: penitência
Sentença para corpo, alma e mente
De onde não se sai e não se liberta
Até o tempo da própria descoberta
De que na porta não há tranca
E nunca se esteve preso.
Ecos.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Ainda que no meu lábio seco se dissesse
Uma última súplica, pedido feito prece
E nele se escorresse uma lágrima morta
É o arrependimento que não se esquece,
Que no choro não fenece,
E tampouco o reconforta.
A um perdão que nunca vem, desaparece
Tal qual miragem que ilude e desvanece
Nas névoas densas de um inverno morno
A mágoa vira água e evapora e umedece
De algum jeito permanece
Em um eterno retorno.
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