Um Lugar Chamado Solidão.

domingo, 20 de abril de 2014

"Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again 
...Within the sound of silence" 
Simon e Garfunkel

De novo, encontro-me aqui. Não, eu não disse que estou simplesmente aqui; disse que encontro-me aqui, posto no lugar único onde posso realmente estar e me achar. Sento-me à mesa, onde está servido café para um, bem forte, bem preto, feito quem me acompanha: Srª Escuridão. Não, aqui não se parece com um bosque e nem é morada dos anjos, como na cantiga de roda; mas aqui se chama Solidão. Um lugar - não um estado psico-ilógico que dizem ser de vazio existencial, sentimento de desesperança e abandono. Muito pelo contrário, é um lugar que gosto de visitar de vez em quando, confesso e friso, de vez em quando. Recanto ao qual volto minha atenção, meu templo fictício, pois não existe além do meu próprio eu - sem esquecer da Srª Escuridão e o Sr. Silêncio que normalmente a acompanha por aí. Como dizia...sentado, à meia-luz, com um deles em cada lado na mesa, busco aqui a chave pro sentido do mundo lá fora, jogo, como quem lança a sorte nos dados, um punhado de perguntas de porquês na mesa....

A Escuridão insiste em não revelar nada e o Silêncio, companheiro fiel, mantém o voto e permaneço sem respostas. Mas não tem problema, sempre valorizei mais as perguntas que as respostas, pois não existem respostas erradas, mas perguntas erradas...

Como disse, encontro-me aqui, pois só aqui emudeço, elucido, (re)conheço-me. Aqui se chama Solidão, mas em que outro lugar poderia encontrar melhor companhia que a minha própria? Di, tri, heptalogar ou, simplesmente, monologar ou, às vezes, calar - talvez o Silêncio esteja aqui pra me ensinar isso. Há poucos instantes estava sozinho, agora posso ser 7 ou mais. É aqui que vejo as misérias do mundo - externo e interno. Estar só é estar no íntimo do mundo. É aqui que enfrento meus leões, mesmo nunca havendo medo deles. Pesadelos - quem melhor do que eu para decifrá-los, posto que fui eu mesmo quem os escrevi em forma de roteiros, filmei e dirigi, ali, sentado da minha cadeira de cineasta? Como disse, ainda que não haja luz, há lucidez, encontro-me aqui. 

Constituíntimo. Palacete onde não existe o Tempo, templo sagrado dos homens. Aqui ele não permanece, perece, pois aqui só a solidão é infinita. Não há para onde correr, porém, tantos conseguem vencê-la. Não acho que isso seja lá uma vitória, fugir deste lugar, eu digo. Fugir daqui é como rejeitar as próprias mazelas, é estar aquém de quem se é realmente. Estar aqui é enxergar, ainda que haja Escuridão. Enxergar a monstruosidade que não cabe apenas ao outro. Permanecer aqui por escolha é para poucos. Ninguém disse que seria fácil, isso ninguém disse. E, mesmo assim, insistem em fugir, evitando contato com a própria realidade. Os escapistas de si mesmos. Medo de que os rostos refletidos no espelho não correspondam àquele idealizado - pois provavelmente é o que acontecerá. Quanto mais frequentamos esse lugar, mais o rosto se adéqua ao espelho e nos reconhecemos. E, então, fico e desmistifico. 

Um lugar que pode estar em tantos (todos) outros, e aqui estarei, independentemente da situação. E não é um lugar só meu, está aberto a visitação de todos. Quem conhece mais esse lugar do que eu? Acostumei a frequentá-lo sempre que quis e também quando não quis. Indico, mas só quando eu não estiver aqui, pois aqui só tem café para um. Sejam bem-vindos à Solidão.


"Em um mundo de pessoas rasas, mergulhar de cabeça pode ser perigoso."

Coma.

domingo, 13 de abril de 2014


Nem sei que dia é hoje e nem que horas são, mas está beirando a tranquilidade mórbida de um domingo a noite. Debaixo das cobertas, ensaio conversas com interlocutores inexistentes em troca de sonolência - inútil. Minha concha, meu abrigo, onde nenhum monstro pode me atacar. E não há frio que justifique a minha presença aqui. Há, apenas, o medo de levantar e colocar os pés descalços no chão. Ninguém pode me ver, mas eu ouço tudo o que se passa lá fora. Como disse, minha casca de noz - a separação entre a zona de conforto inócua e os possibilidades lá de fora, tal qual sujeito e predicado que não se separa por vírgula. É só o que pode ser feito é permanecer induzido a ficar na cama. 

Sério, que grande merda tá esse blog. Que grande merda estou eu.'

Idiossincrasia do Sujo.

sábado, 12 de abril de 2014


Sob a chuva, mas sem sentir as gotas na pele, sentia apenas a água turva entrar no all-star ao pisar numa poça imunda na beira do meio fio. Naquele momento, o pensamento caótico se confundia com o barulho dos carros anômicos e os faróis refletidos no chão molhado causam um estranho incômodo fotofóbico, evitado com um simples olhar para baixo...

E ver um cigarro encharcado e puído sob os pés, sob a chuva, sob o céu. O escarro é inevitável e o disparo se faz certeiro ao lado dos restos de fumo – denso e preto, tardiamente à tosse seca. O ar carregado de fuligem em suspensão do ônibus que parte é tão preto quanto o cuspe que carrega mais substâncias diferentes que um maço de cigarros se atreveria.

São as chagas asfixiadas que saem em amálgama com o pretume e, lentamente, se misturam no chão com o chorume que escorre de uma lixeira velha e enferrujada. Cada elemento combinado como deveria. Isso até que os pés descalços e rachados de um mendigo pisam na alquimia pútrida e a espalha entre os passos, misturando-a a uma nova sujeira híbrida.

Um breve pigarro e a saliva é engolida devagar na tentativa de aliviar a sequidão da garganta. Entre o escarro e a tosse; o vômito e a lágrima; a fumaça e a solidão; a arte sobrevive compartilhada na idiossincrasia do toque úmido de um aperto de mãos amigas. O sinal abre e o passo já pode se apressar para atravessar em segurança e ir para casa.


No meio!

terça-feira, 8 de abril de 2014


"Yeah, you bleed just to know you're alive"

Na lacuna destinada ao nome, o branco

E a inominável ausência se faz presente
Como se o vácuo houvesse peso, tanto! 
Demasiada, indomável e nada eloquente
Nada me revela além da própria presença
Imensa! No meio do peito faz sua morada
Sem permissão, sem nome, porém infinita
O domínio do nada - ou preto, ou branco
E toda porta, janela, saída: eu destranco
Para não prolongar ainda mais essa visita 
Pode vir e ficar, por um minuto ou dois
Às vezes, leva um dia inteiro sem saber
E, às vezes, leva sem saber e só depois
Se percebe que partiu, assim, repentina
Sem deixar rastro, nem pista do nome.

Meio sem saber, nomeio isso de 'Sei lá...'