Cais.

terça-feira, 11 de outubro de 2016


PARTE I
"Cada dia que passo sem tua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões
Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações"
Vander Lee

(foto por Gabriela Ciolini - clique na imagem para ampliá-la)

No porto, de peito aberto, aguardo 
e guardo um abraço tão longo 
quanto a minha espera...

Quando o horizonte põe-se bicolor
E em tons de azul e rosa a tarde finda
Aqui permaneço a tua espera ainda...
E somente o mar conforta a minha dor

Provo da minha paz e da minha agonia
Sinto a mansidão do vento e da maresia
E a aflição na dúvida do teu regresso
...De mais um dia - só - me despeço

Frente ao teu olhar tão vasto e sereno
Faz-se este deserto anil muito pequeno
Ínfimo perante tantos memoriais
Fica o meu longo aguardo neste cais!

E cai o negro manto, enfim, sobre o ocaso
Trazendo o breu até onde a vista alcança
Assim, ouço ainda a onda se romper no raso
No vai-e-vem das águas, benta em esperança

[As ondas vão, mas não deixam de voltar]

As gotas, então, se confundem no ar
Desertoras do mar ou de olhos marejados
- Quem nunca viu a partida de quem ama 
Não sabe o drama de quem só pode esperar –

Sinto-me sem direção em um mar sem cais
Assim, sem paz, à deriva das horas que se vão
- Alguém que em tormento o pranto chora
E implora para um dia a espera acabar - 

Aos poucos a angústia decai e se desfaz...
É a tua lembrança que me lança nesse mar!
- Alguém que em memórias se derrama
E clama para a felicidade reencontrar-

E ao céu no qual vejo o teu cabelo preto
Em profundo misticismo eu prometo:
Aportei em ti e daqui eu não saio mais
E o tempo vai passando nesse leva e traz...

PARTE II
"É, pode ser que a maré não vire
Pode ser do vento vir contra o cais
E se já não sinto os teus sinais
Pode ser da vida acostumar
Será, Morena?
Sobre estar só
Eu sei" 
 Los Hermanos

Quando as horas põem-se a morrer
E finda mais um dia em tons de azul e rosa
Em meu rosto, resta só uma lágrima teimosa
É a minha saudade que insiste em escorrer

A cada instante se afasta a linha do horizonte 
Ao passo que aqui permaneço, inerte e silente
Vejo o sol deitar e o tempo seguindo adiante
Eis a minha solidão ainda mais permanente 

À tua espera, paciente, de poente a poente  
Vi, diante de mim, uns cem dias e mais mil
E se fez meu olhar cada vez mais descrente
A se perderem as vistas no vasto deserto anil

À tua espera, inocente, não segui em frente 
Aguardei, então, a tua volta, sem previsão
...E de repente, não mais que de repente 
Senti que o vento soprava n'outra direção...

[O vento não volta mais pra perto desse cais]

E o vento, outrora quente, desliza morno
Tal qual o choro que foi ficando no caminho
Sozinho, sequei meu pranto e calei meu canto    
Pois não há sequer prenúncio do teu retorno

A brisa fraquejante já não traz nenhum presságio
Pois corre tanto pra morrer na areia, abatida
E entre a partida absoluta e a volta irresoluta,  
Prefiro declarar deste sentimento o naufrágio!

De peito aberto, guardei um abraço tão extenso
Tal qual a minha espera, que não sei até quando 
Mas, aproveitando que estou de braços abertos
Irei lançar-me num voo ao horizonte, tão imenso!

Ao luzir dos primeiros traços de um novo dia
Impávido, irei abandonar, enfim, este cais...
Respirar novos ares em outros mares - alivia!

Deixar-me levar por entre os pontos cardeais.

1 surtos poéticos/patéticos:

Erika disse...

:~